sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Crónicas do Corvo Negro - Pergaminho da Ilha

Hoje temos festa, tragam a alegria e os sorrisos para este pergaminho festivo que a Guardiã me entregou ....

Crónicas do Corvo Negro - Pergaminho da Ilha

Celebrar a vida é abraçar o sopro que nos acolhe, que nos alimenta, é agradecer o que surgiu em nós, o que nos fez crescer e aprender. Celebrar a vida é receber a bênção para novos e admiráveis caminhos, que insondavelmente nos oferecem conhecimento e discernimento para encontrar a verdadeira felicidade. Celebrar a vida é dar graças ao ato que é viver. As nossas vivências são os mais puros e completos ensinamentos, nos quais, não viajamos sozinhos. Percorremos um caminho comum, caminhando de mãos dadas com aqueles que amamos. São eles que acarinham os nossos medos para que se libertem e se transformem em deliciosas surpresas maravilhas da vida. Destes momentos sobra a lembrança que é a chama que preenche a riqueza desta jornada que é viver.

Depois de ter encontrado uma mensagem do Corvo negro sobre a manhã com um pedido especial, o qual, me roubou um sorriso espontâneo, dirigi-me à grande biblioteca onde os pergaminhos estão guardados nas aclamadas etiquetas.

Coloquei uma chave especial feita de ferro forjado, adornado com a cabeça em forma de rosa gentil
e rodei três vezes. O movimento fez mover os ferrolhos da porta de formato floral, abrindo-a.

Um
ligeiro vento entrou antes de mim e retirou da prateleira altiva o pergaminho pedido. Aguardei junto à ombreira enquanto o vento o fez deslizar, depositando-o nas minhas mãos, que logo se agitou ansioso por contar a sua história. A leitura, deste pergaminho, faço-a no colorido jardim do castelo onde me sento, tranquilamente, num lindo banco de pedra envelhecida e fresca. O pergaminho voou ligeiramente até à minha frente e falou.

O corvo negro aproveitou o afectuoso sabor do vento que o levou rápido até uma fértil e verdejante ilha. O cheiro da maresia era aconchegante debaixo do sol que aquecia o mundo. A vista era admirável com o arvoredo a namorar a rocha negra, enquanto as flores silvestres decoravam a estação em vida.

Aquela ilha era conhecida por nela habitarem três espíritos mágicos da natureza, as belas e divertidas ninfas. É sabido que as ninfas são apaixonantes, melodiosas e aventureiras. Aquelas que o corvo negro corria a encontrar, eram ninfas especiais e bondosas. E este dia, é bem especial, pois no salão haverá festa. O anfitrião terá, por isso, de encontrar as três ninfas que governam a ilha com harmonia, equilíbrio e abundância.

A primeira ninfa vivia numa gruta rochosa debaixo de água onde uma fabulosa e gigantesca concha luminosa se afigura como sua casa. O corvo negro sobrevoou o pequeno pico da grande e profunda gruta, que sobressaia fora da água do mar selvagem, e aguardou que este abrandasse para mergulhar. O mar pareceu conceder-lhe a vontade e sossegou por momentos. É sabido que o corvo negro é um corvo mágico, e assim se mostrou mago. Sussurrou palavras encantadas e à sua volta criou-se uma bolha que permitiria estar debaixo de água durante longos momentos. Sentindo a rocha fresca por baixo de si, apressou-se a mergulhar até ao reino da ninfa do mar. Enquanto nadava até à concha que preenchia todo o seu horizonte debaixo de água, pode assistir à beleza que adornava aquele lugar fantástico, onde um colorido e vasto coral decorava todo o espaço com cor e magia.

Pousou num aglomerado de pedras com conchas coloridas e grasnou em chamamento. Passados momentos um rosto amigo e simpático apareceu à sua frente.

- Bem hajas caro amigo. Não te esperava tão cedo – respondeu a ninfa do mar contente pela visita inesperada. A sua voz ecoava pelo espaço como uma melodia doce e o corvo sentiu-se enfeitiçado.

- É certo, cara amiga. Mas um evento a celebrar exigiu a minha pressa, julgo que irás gostar o que reservo para uma amiga em comum – contou-lhe entre o olhar encantado e ansioso da ninfa do mar que acenou logo em concordância.

- Ela vai adorar, que excelente ideia. Terás de esperar só mais uns momentos para que eu beba uma infusão de algas e caminhe pelas minhas pernas. As escamas não me permitirão chegar ao teu salão.

O corvo negro acenou aguardando. A ninfa do mar, também conhecida como Sandra, arranjara os seus cabelos numa longa trança, presa por duas belíssimas estrelas do mar e finalizou a metamorfose. O anfitrião sorriu maravilhado pela mudança e agitou as suas asas. Com um sorriso, Sandra despediu-se do corvo negro e encontrou-se rapidamente no salão. Deu por si de frente a dois lobitos muito curiosos.

O corvo negro seguiu depois, caminho até à ilha onde pisou terra fresca e limpa. Lá sentiu a vida em rubro. Contemplou a magnificência de uma natureza respeitada e genuína. Agradeceu aquela viagem até tão lindas e compensadoras paragens e deu graças por existirem tais locais cheios de encantos.

O anfitrião ansiava agora por encontrar a ninfa do campo. Através dela, os pastos são férteis e a estação é generosa. A decoração dos campos era apetitosa e radiante. Corvo negro caminhou pelos campos demorados de papoilas e malmequeres inspirando a sensação de paz daquele lugar. Foi surpreendido pela ninfa do campo, que se confirmou tão bonita e alegre, com uma coroa de flores sobre o cabelo namorado pelo vento.

- Saudações amigo corvo. O que te traz tão cedo a estas paragens? – perguntou enquanto rodava numa dança com dúzias de borboletas seduzidas.

- Vamos fazer uma surpresa à ninfa da floresta. Vamos celebrar o seu aniversário e, se quiseres aceitar o meu convite para o reencontro no meu salão, faremos já a viagem. És muito bem-vinda e haverá muitas surpresas – tentou o corvo negro piscando o olho e sorrindo graciosamente.

- Ah! Então vamos a isso – respondeu sempre sorrindo como se apenas conseguisse falar cantando – eu sei onde ela está, vamos caminhando para lá?

Os dois amigos seguiram por caminhos limpos e acarinhados por imensas mãos e vozes que só um coração puro consegue sentir e ouvir. A natureza é um espirito vivo e com ele vive a nossa alma diariamente. Um namoro pegado, muito desejado, muito verdadeiro.

Lá estava a ninfa da floresta, num curto e largo vestido verde feito de heras e fetos, com uma coroa de flores do rebento da primavera. Descalça e feliz, consertava uns ramos descaídos de uma árvore antiga para que um ninho não fosse destruído pela queda de um abraço da natureza.

- Amiga ninfa dos campos, ou melhor, amiga Jojo, é melhor ires andando para o salão. A ninfa da floresta de nada pode desconfiar – o corvo negro viu no rosto de Jojo um largo e sincero sorriso que lhe alimentou a alma e com o agitar de asas, mais um membro chegou ao salão. Sentindo a sua chegada, foi docemente recebida pela raposa que a esperava junto com Sandra e dois lobitos irrequietos.

O corvo negro avançou num voo rápido e aterrou ao lado do ninho que com o seu bico ajustou os galhos para um cantinho resguardado do ramo.

- Amigo corvo negro! – acenou a ninfa da floresta contente pela visita – o que fazes aqui? – perguntou tímida unindo as mãos e balançando. Definitivamente, desconfiava que o corvo teria ido até à ilha felicitá-la pelo seu aniversário, mas teria de ser firme e aguentar a felicidade que mais tarde seria completa.

- Viva, amiga ninfa da floresta, este lugar é sempre muito harmonioso, tens feito um belíssimo trabalho – piscou-lhe o olho muito seguro do seu discurso pouco revelador – tive de abreviar a data para a tua viagem ao meu salão. Ainda tenho um longo caminho a percorrer para encontrar todos os membros do Fiacha. Aceitas vir comigo? – perguntou o corvo negro aterrando no seu ombro.

- Abreviar? – respondeu com um olhar sorridente e curioso – Vou sim, a estação está a terminar e logo começarão as chuvas. Será um repouso para que a mãe natureza abrace esta ilha até à sua gema. Mas antes de irmos, que tal um passeio pela minha floresta?

- Aceito com muito agrado – respondeu o anfitrião caminhando ao lado da ninfa da floresta.

Entretanto no salão do anfitrião, os membros chegados, apressavam os preparativos para o baile de aniversário. As chamas vivas dos candeeiros vestiram-se a preceito para a ocasião. O anão de barbas longas, lá estava todo direitinho com a sua barba amparada e arranjada em trança larga com um bordão da sua casa, como mandam as suas origens. Não largava o seu escudo tendo Ubik ali por perto, receava-o apesar do dragão negro ter-lhe já assegurado que não havia qualquer perigo. Mas o anão é um excelente guarda e muito desconfiado.

As ninfas, do mar e do campo, tinham terminado o bonito bolo de aniversário. Os cavalheiros Ubik e dragão negro logo se aprontaram a carregar o saboroso bolo até ao salão. Mas durante o percurso, o bolo explodiu e apenas sobraram pepitas de chocolate e chantily sobre eles próprios. Ubik olhou boquiaberto para o dragão negro.

- Um espirro de um dragão pode ter um efeito desastroso – respondeu o dragão negro mostrando umas faces rosadas.

Pasmados, olharam a raposa e as ninfas que sérias, desataram a rir juntamente com Maria_queenfire que entretanto chegara com os lobitos que se aproveitaram da situação.

Maria_queenfire colocou mãos à obra. Soprou ao vento generoso e nele desenhou uma belíssima tela onde apareceram os rostos mais especiais para a ninfa da floresta. Uma tela que foi sobreposta sobre o seu lugar à mesa. Assim que o pergaminho voasse para as mãos do valente anão, a tela viva seria mostrada com os sorrisos e gestos que cada amigo e familiar tinham para lhe entregar. A ninfa do campo, a Jojo, espalhou jarras de flores decorando o salão de cor e cheiros agradáveis.

Ubik contribui de forma especial, retirou cinco homens da sua capa e colocou-os a ler num aposento seguro de cada candeeiro, e das suas histórias, apareceram cenários fantásticos, personagens encantadas que surgiram sobre o tecto do salão. As chamas vivas regozijavam-se com o divertimento e encantamento ali criado.

Finalmente a ninfa da floresta, nascida Catarina e conhecida no Fiacha como páginasencadernadas, chegou ao salão junto com o corvo negro. Já estavam todos reunidos em frente a um novo bolo magnífico, cheio de cor e de vários andares que aguardava elegante com as velas acesas em celebração de mais um aniversário e logo uma melodia foi entoada por mil vozes.

A ninfa Cata estava deslumbrante com a surpresa preparada pelos seus amigos e quando a tela se revelou, esboçou um sorriso no rosto com um olhar onde brilhava uma lágrima. As velas foram sopradas com a bênção de um ano cheio de felicidade.

Quando a melodia do aniversário terminou apenas se ouviu o anão de barbas longas cantarolar:

Parabéns ao membro aniversariante,

que chegou ao salão,

corta uma fatia de bolo

e dá cá ao anão!



És tão bonita e generosa

com o brio de uma rosa

dá cá um beijinho

que eu sou muito bonitinho!


Todos sorriram alegres e comemorativos. O baile começou e se prolongou pelo presente dia.

Muitos parabéns Cata!


Guardiã do Tempo


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Crónicas do Corvo Negro - Pergaminho do Viajante do Norte

Os pergaminhos vão surgindo, e a chamada dos membros vai sendo feita pelo Corvo Negro, de terra em terra, será que todos chegam a tempo?
A Guardiã deixou-me mais um pergaminho, mais um testemunho vindo desse continente fantástico Fiacha.
Divirtam-se :)

Crónicas do Corvo Negro - Pergaminho do Viajante do Norte

Suavizei a guarda do pergaminho lido. O sol ainda se erguia forte no horizonte do continente Fiacha, o qual, saboreei por momentos, o conforto da sua cor e energia.

Ao virar costas para a prateleira dos livros senti uma brisa fresca e uns sussurros longínquos fizeram-se ouvir. Eu conhecia bem aquele sussurro e com ele, lembrei-me que em cada história lida, o grado que ela vai ter, depende do sabor que cada leitor lhe dá. A exigência pelo seu conteúdo vai aumentando à medida que a experiência se acumula. Afinal de contas um livro é uma viagem. Uma viagem de experiência e conhecimento. Uma viagem que pode ser brilhante, honrosa, saborosa, desoladora, imperfeita, inquietante, horrível. Uma viagem de terror, de drama, de romance, de fantasia, de ficção, nunca deixa de ser uma viagem.

Há quem viaje por gosto, há quem viaje por ofício e há aqueles que viajam à procura de mais conhecimento. Estes últimos são os que se tornam mestres das palavras. Estes viajantes de inúmeras e diversificadas viagens usam uma alcunha, muitas vezes, baseada em leituras que mais gostaram, marcaram ou simplesmente identificaram-se com elas.

Poucos são os mestres das palavras que usam a sua experiência digna e respeitosamente sem inferiorizar viajantes tímidos e pouco experientes neste longo e diversificado mundo da literatura.

Perante este meu pensamento, procurei o pergaminho que desejava falar. Nas minhas mãos o pergaminho ganhou vitalidade, o selo foi rompido e as palavras agitaram-se urgentes. O pergaminho falou.

O membro que o corvo negro procurava e tão bem conhecia, era um destes mestres pelo qual uma antiga e valiosa amizade obrigava-o a procurar tão cedo.

O corvo negro voou em direção ao norte onde o vento assobiava bem forte e a neve caía fina naquele lugar longe de tudo e de todos. Sabia-o no pico de uma alta montanha onde a estação é severa, repleta de nuvens velozes e dançantes. Ali, era o local ideal onde o repouso e o silêncio permitiam àquele membro viajar sem ser interrompido ou incomodado. O frio teimava em enfraquecer o voo do corvo negro que não se deixava abater pelas dificuldades. Além de insistente, é um corvo corajoso e forte, por isso é um corvo sem igual.

O pico da montanha lá se revelou e o corvo negro deixou-se aterrar. Só havia uma forma de entrar e não perdeu tempo para o fazer. Decidiu surpreender o seu amigo membro entrando de surpresa no seu interior.

Todo aquele lugar parecia ter avançado num tempo que o Corvo Negro apenas conhecia de algumas viagens por livros de ficção. O interior da gruta era composto de altivas paredes de rocha cinzenta espelhada. O corvo negro conseguia-se ver através delas, ou então, parecia estar a ser seguido por reflexos que não conseguia identificar. As paredes ecoavam sussurros misteriosos, ruídos hórridos, chamamentos desafinados e gargalhadas que se misturavam num eco distante no corredor daquela gruta.

O corvo negro sentiu um arrepio nas penas que se eriçaram. Era um lugar estranho com uma brisa muito leve que denunciava perigo. Mas o perigo tem uma particularidade: é docemente sedutor, pois avança sem rodeios trespassando a alma deixando uma sensação de uma adrenalina que é doce. Forte é esta sedução do desconhecido e procurar nele o resultado do desafio e a coragem é justificação suficiente para ocultar essa sensação e avançar sem medo a um lugar em que nada se espera, mas que nos aguarda tudo o que não se conhece.


Ali, o ar era como uma vaporização de algo que o corvo negro de imediato sentiu na sua mente como uma inspiração de reconhecimento e consciência. As paredes escorriam, em espaçados locais, um líquido cristalino com ligeiros raios no seu interior. Naquele corredor, uma luz ténue de cor esverdeada foi ganhando maior tonalidade à medida que também aquele líquido jorrava com maior intensidade dando-lhe essa cor. Chegado a um átrio, vários corredores surgiram. Havia que escolher um caminho. Conhecendo aquele membro, o corvo negro sabia-o divertido e extremamente inteligente. Escolheu um caminho onde aquele líquido verde mais iluminava e menos o cegava de todo um cenário brilhante. Percorreu um corredor que pareceu infindável.

À sua frente surgiram intervalados, pequenos homens, todos eles, vestidos com uma longa capa branca, encapuzados e muito direitos. Susteve-se algum tempo num relevo da rocha onde lhe foi admitido pousar. Notou que, cada um daqueles pequenos seres entrava na rocha e lá depositavam-se como num aposento marcado e habitual. Ao longo do corredor, muitos eram os homens brancos que lá permaneciam. Curioso como sempre, o corvo negro quis examinar um dos pequenos seres que confirmou ser do tamanho das suas asas. Pensou, que poderia transportá-lo nas suas costas de tão pequeno e leve que parecia ser.

Contemplou quando o examinou, que por baixo do seu pequeno encosto, tinha uma legenda imperceptível e as pequenas mãos estavam unidas amparando um muito pequeno livro como se guardasse parte de si mesmo. Com a sua asa tocou na legenda, como se, ao lhe tocar compreendesse o seu conteúdo. O pequeno homem encapuzado levantou a sua cabeça e olhando o seu mandante, esboçou um sorriso fechado e atrevido. Uma voz se ergueu firme e célebre. O corvo negro tentou desligar aquele homem que desatara a falar, mas nada o fazia parar.

Note-se que o perigo não é só um desafio, pressupõe uma consequência, que muitas das vezes, resulta numa ameaça real. O corvo negro sentiu isso à medida que aquela voz ia contando uma qualquer alegoria e o seu teor foi sendo personificado por uma atmosfera estranha que se ia criando em seu redor. Pequenas sombras foram chegando sussurrando, rindo, todas as que, sentiu separarem-se algures das paredes. O corvo negro recuou até sentir o líquido da rocha propagar-se sobre si e sentiu-se tão preso como uma mosca numa teia de aranha. As sombras acorreram a atacar o intruso.

Antes do corvo conseguir grasnar, surgiu um imenso silêncio. E o corvo negro viu-se de frente a uma taça de água parada a luzir do mesmo tom esverdeado.

- Caro amigo corvo negro, não devias entrar assim em locais que não conheces de forma tão confiante – falava o membro dirigindo-se a um canto daquela pequena divisão.

- Saudações caro amigo – respondia o corvo negro meio atrapalhado - nunca pensei que a tua casa fosse tão difícil de entrar, está bem armadilhada com líquidos verdes, sombras e reflexos – gesticulava turbulento.

As gargalhadas do seu amigo soaram divertidas e profundas, como se as retivesse há séculos.

- Quem são aqueles homenzinhos pequenos? – perguntou, curioso, o corvo negro ainda relembrando o seu atrevimento.

- Ah, aqueles meus semelhantes? – abriu os braços mostrando-se em todo igual. De facto, confirmou o corvo negro reparando que aqueles homens eram exatamente iguais ao seu amigo, mas em ponto pequeno – aqueles pequenos homens sou eu mesmo. São momentos de mim.

- Que queres dizer? – perguntou o corvo negro.

- Cada homenzinho daqueles – disse rindo – ou melhor aqueles Eu’s, são a vivência de cada leitura que fiz. Se tocares no título do livro a que se refere, ele contar-te-á a sua história. São momentos meus, memórias das minhas leituras. As que forem seguidas de sombras, são as leituras que considero de má qualidade. Além disso, já me conheces, sabes que sou um pouco ubíquo – dizia satisfeito virando-se para o seu caro amigo – toma bebe desta água, far-te-á sentir bem melhor – disse enquanto acabava de encher um copo com um líquido licoroso.

- Agora entendo porque fui seguido – bicou a taça com alguma prontidão e logo se sentiu bem mais confortável.

- Foste logo escolher o corredor das minhas piores experiências de leitura. Bem estranhei ver-te pintado de cor verde – disse gracejando.

– Sei porque vieste cá - sentou-se num banco de pedra que se escondia ilusoriamente na parede rochosa, como se lá não existisse, colocando uma perna sobre a outra.

- Isso quer dizer que aceitas?

O membro convidado sorriu maliciosamente tentador, revelando uma satisfação divertida. Levantou-se direito aguardando. O corvo agitou as asas e antes que este partisse:

- Como saio daqui? – gritou assustado e arrependido da pergunta tardia.

O seu amigo e membro já estava a chegar ao salão quando o corvo negro caiu na mesma taça de água, viu-se de novo sobre as sombras e rapidamente foi levado, de novo, até à entrada daquela gruta. Há muito que não se lembrava de voar tão rápido.

Chegara ao salão quente e acolhedor recebido por um dragão que já pressentira a sua chegada. A raposa dirigiu-se ao membro que já conhecera e cumprimentou-o divertida. O som do pergaminho a ser dizimado soou definitivo, ao que, o membro olhou para a chama viva. Nela, embargava um anão de barbas longas das profundas montanhas de um outro continente que Dragão Negro conhecera nas suas viagens. Vendo o patrono do pergaminho dizimado a olhá-lo tão sério, o anão virou-lhe as costas protegendo-se com o seu escudo receando alguma represália, ao que, os três presentes riram alegres de receio tão injustificado.

Este, subitamente, retirou algo de dentro da sua capa branca. Um homem pequeno igual a si.

- Trago uma recomendação que considero ser muito útil e de excelente qualidade para ser lido neste vasto continente Fiacha – contava enquanto o sobrepunha na longa mesa do salão e logo se juntou ao grupo junto da lareira, retirando o capuz revelou o seu rosto alegre e bondoso.
- Qual é a leitura? – indagou o dragão negro examinando o homenzinho branco.

- Ubik! – respondeu rindo.




Guardiã do Tempo


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Algo maligno vem ai de Ray Bradbury



Sinopse:


Poucos romances americanos causaram tanto impacto como este clássico de Ray Bradbury. Para os que acreditam na força da imaginação e ainda não experienciaram o poder hipnótico da prosa de Bradbury, estas páginas vão tornar-se numa revelação. 

O espetáculo está prestes a começar. O circo chega pouco depois da meia-noite, nas vésperas do Halloween. O que fariam se os vossos desejos secretos fossem concedidos pelo misterioso líder do circo, o Sr. Dark? O circo a todos chama com promessas sedutoras de juventude eterna e sonhos por cumprir… Dois amigos adolescentes, Jim Nightshade e Will Halloway, são incapazes de resistir às atrações. A sua curiosidade de rapazes fá-los descobrir o segredo oculto nos labirintos, fumos e espelhos do tenebroso circo. Inconscientes do perigo em que se veem envolvidos, uma terrível perseguição é posta em marcha e Jim e Will tudo terão que fazer para salvar as suas vidas. Mas, acima de tudo, as próprias almas...

Opinião:

Mais um livro digno da Coleção BANG e que tal como o Terror de Dan Simmons me surpreendeu dada a qualidade apresentada, serio candidato a livro do ano, sinceramente.

Já tinha lido uma distopia do escritor e embora lhe tenha reconhecido qualidade não me tinha enchido as medidas, mas sendo este escritor tão elogiado por tanta gente, decidi experimentar outro livro seu e de facto ainda bem que o fiz.

 Uma obra que nos apresenta um enredo muito bem desenvolvido, com diálogos muito interessantes e que nos fazem refletir imenso, onde o escritor mostra uma cultura geral muito acima de média e claro com um universo de personagens muito bem construído, complexas, misteriosas e que nos fazem admirá-lo pela qualidade e criatividade na construção das mesmas.

 Não sei em que género se pode enquadrar este livro, talvez horror, tal como os livros do Dan Simmons. Se for isso, tenho mesmo que reflectir e começar a dar mais atenção a este género pois tem me surpreendido muito pela positiva.

Um livro negro, cruel, de uma criatividade que nos deixa encantados e com uma ponta final simplesmente extraordinária, do melhor que já li da colecção, sem dúvida. Aqui está mais uma prova que não são necessárias sagas / trilogias para se escrever uma boa história num livro único.

Mais do que recomendado de leitura obrigatória.

PS: Este livro termina com um excerto do livro 
O Mistério de Charles Dickens, vol. 1 de Dan Simmons, livro que acabo de receber, logo será a minha próxima leitura sem duvida *largo sorriso*

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Crónicas do Corvo - Pergaminho da Rainha

Mais uma vez, foi-me dada a honra de abrir o véu deste mundo que se desenrola diante dos nossos olhos. 
Fiacha, um continente fantástico que nos dá a conhecer personagens misteriosas, cheias de magia e encanto, bravos guerreiros, dragões negros e quantos mais seres místicos surgirão ? Todos comparecerão à chamada do Corvo?
A Guardiã do Tempo traz-nos novas desse mundo....



Crónicas do Corvo - Pergaminho da Rainha



Uma história nunca é somente uma história, são trechos de uma verdade, são manifestações de vivências, são sonhos criados, são utopias de coisas desejadas….

Uma história é, assim, uma passagem de um tempo que foi importante: para quem a viveu, para quem confortou, para quem escreve a sua presentemente. Porque das histórias sobram aprendizagens que são partilhadas num tempo sem prazo de caducidade, por aqueles que olham a vida com uma simplicidade complexa num mundo repleto de surpresas e conhecimentos infinitos por aprender. 

Esta história é a utopia de uma realidade, uma presença verdadeira que cria no seu mundo um determinado efeito ilusório, agradavelmente sentido e apreciado por quem acompanha. Eu sou a guardiã do tempo e do tempo guardo cada sopro da história, a história que cada membro deixa no Fiacha e que nele se cria e se transforma num lugar fantástico. Porque fazemos todos parte de um grande mundo, em que cada um, é uma peça que permite o equilíbrio, a sustentabilidade e harmonia de um todo.

O meu olhar estendeu-se pelas altas prateleiras numa das salas daquele grande castelo. O seu cheiro era combinado de mel e alecrim com um doce toque a flores do campo. Inspirei profundamente a doçura do aroma que me agradou e por isso escolhi o pergaminho a ler. Recostei-me agradavelmente numa cadeira balançante de frente a uma fogueira aconchegante e esperei. 

Um pergaminho agitou-se numa das prateleiras e desceu levemente como um presente precioso através de um vento rebelde e divertido numa sala repleta de letras voantes. A fita que mantém a firmeza do documento, desenrolou-se com cuidado e abriu-se. Nele, continha uma das tantas histórias do Fiacha que com um toque saudoso, as letras agitaram-se alegres por serem lidas e logo o pergaminho falou. Da sua magia mostrou Corvo Negro a ser levado para o interior de um volumoso livro e nele viu-se entrar no mundo de um membro do Fiacha.


O sol acordou cedo naquela manhã. Um presente agradável à demanda do anfitrião na sua viagem a fazer saber do encontro no seu salão acolhedor. A brisa era fresca e o tempo permitiu ver as paisagens do continente Fiacha, verdejantes, férteis e extensas no horizonte. Chegado à orla de uma floresta imensa, encontrou umas abelhas gigantes que cumprimentaram a chegada do Corvo Negro à sua especial floresta. As abelhas de corpo encantado, matizadas e ligeiras, perguntaram o motivo da presença do anfitrião, ao qual este respondeu:

Procuro um membro especial do meu salão,

é leitora e amiga,

carismática e generosa,

tem nome de realeza, desenha com excelência

e é calorosa.

Com os seus desenhos enriquece a sua casa

e aos leitores aquece o seu coração,

escolhe bem as suas leituras

e descreve-as na perfeição.


As abelhas entreolharam-se e esboçaram um grande sorriso. Conheciam bem a distinguida e, num voo divertido, logo encaminharam o Corvo Negro ao interior da floresta genuína e diversificada.

O Corvo Negro contemplou a beleza da floresta e mais se encantou com a mestria da sua estrutura. Notou que à medida que voava pelo seu interior, a paisagem mudava constantemente. Novos lugares apareciam insondavelmente à sua frente, levando-o a tomar outro caminho. A floresta achava-se cada vez mais colorida, completa, renovada e divertida. Paisagens vivas, que ainda não tinham lugar, circulavam pela floresta mexendo-se prodigiosamente. 

Ao som do vento conseguia ouvir a voz da sua amiga descrevendo as suas leituras, e as paisagens descreviam o conteúdo e saber das palavras que as construíram. Sobrevoou um rio que transbordou por baixo de si e viu uma cascata nascer por entre árvores altas e robustas, segurando uma parede de pedras tão brancas como as nuvens que adornavam o céu. Não havia melancolia naquele lugar, apenas harmonia e diversão. O Corvo Negro estava maravilhado.

À sua frente surgiu um monte que se revelou ser mais do que isso. Revelou ser um alto cogumelo vestido de heras e plantas bravas ornamentadas por maduras bagas. As abelhas sobrevoaram o cogumelo e uma entrada evidenciou-se algures no meio de todo aquele encanto. Segredaram divertidas o que a doçura da paisagem ocultava:

- É aqui a casa da Maria_queenfire, a nossa querida criadora!

O corvo negro agradeceu às amigas abelhas que lhe ofereceram um pouco de mel numa folha libertada. Entrou no cogumelo que sentindo a presença de alguém apressou-se direccionando-o ao seu interior. Lá dentro corriam pinturas belíssimas, umas expostas, outras circulando e trocando com tantas outras que entravam e saiam do cogumelo. E lá estava a Maria_queenfire, sentada num tronco de carvalho, desenhando, no seu sopro, uma imagem da natureza. Algures, naquela floresta, personificou-se a criação e tornou-se real. A seu lado, brincavam divertidos os seus fiéis amigos de quatro patas, Fitz e Moli, correndo atrás de uma pintura viva de borboletas e estranhas cigarras. Ao ver o sublime Corvo naquelas paragens Fitz e Moli acorreram latindo querendo brincar. A Maria_queenfire levantou-se e, na sua fronte, desenhou a imagem do corvo negro que se surgiu sublime numa gravura que encetou a percorrer o corredor do cogumelo. 

O Corvo Negro e a sua amiga Maria_queenfire, sorriram alegres pelo reencontro e num bater de asas mágico, o membro do Fiacha fechou os olhos sussurrando palavras que lhe saiam do coração e aos poucos uma imagem foi-se tornando nítida e pouco depois apareceu no salão junto da Raposa e do Dragão Negro. O pergaminho-convite com o seu nome voou até à luz das velas e foi devorado. Um membro já chegara ao grande salão. Os seus fiéis Fitz e Moli divertiram-se a correr atrás da Raposa e o Dragão Negro lá os entreteve com as figuras vivas das velas acesas perto das janelas. 

Maria_queenfire ria em melosas gargalhadas e presenteou o castelo com uma grande tela do salão do corvo negro.





Guardiã do Tempo

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Crónicas de uma Morte Anunciada de Gabriel Garcia Marquez




Sinopse:

Vítima da denúncia falaciosa de uma mulher repudiada na noite de núpcias, o jovem Santiago Nasar foi condenado à morte pelos irmãos da sua hipotética amante, como forma de vingar publicamente a sua honra ultrajada e sob o olhar cúmplice ou impotente da população expectante de uma aldeia colombiana: é esta a história verídica que serve de base a este romance, e que, logo nas suas primeiras linhas, é enunciada.

A capacidade de Gabriel García Márquez em reconstruir um universo possuído pela nostalgia, mágica e encantatória da infância e a sua genial mestria em contar histórias fazem deste romance mais uma das obras-primas que consagraram definitivamente este autor.

Opinião:


Depois de ter lido O Talentoso Mister Ripley, voltei a ler mais um livro da Biblioteca Sábado, escolhendo ler mais um livro de Gabriel Garcia Marquez (escritor colombiano que estava previsto nos meus objetivos literários de 2013 - ler um livro de um escritor de nacionalidade diferente - que acabou por não se concretizar, infelizmente).

Do escritor já tinha lido um grande livro, "100 Anos de Solidão" e foi uma forma de variar um pouco as minhas leituras, penso que este livro foi sem duvida mais uma agradável surpresa e que acabamos de ler de forma bastante rápida dada a forma como está escrita.
No fundo este livro apresenta-nos umas crónicas de um assassinato de um jovem, Santiago Nasar, que é uma pessoa estimada na localidade onde vive e tudo se deve a ser acusada por Ângela Vicario que é escolhida para ser noiva de um jovem que surge na aldeia de forma misteriosa, Bayardo San Román e que sendo imensamente rico decide casar com esta. Existe a celebração do casamento de ambos e este na noite de núpcias descobre que Ângela não é virgem devolvendo-a à sua pobre família. Por uma questão de honra os irmãos gémeos desta, acabam por anunciar a toda a gente da aldeia que vão vingar a sua irmã, que acusa Santiago Nasar o causador da sua perda de virgindade. Terá Ângela Vicario dado o nome de Santiago para proteger algum outro amor ?

Não querendo desenvolver muito mais para não efetuar qualquer spoiler, penso que é um livro muito bem conseguido, bem descrito e que nos mostra uma cultura colombiana da época em que a ação decorreu de uma forma muito boa.

Aqui fica mais uma excelente leitura quer deste escritor, quer desta coleção que me tem surpreendido com leituras muito agradáveis e que ainda se pode comprar alguns dos seus livros, conforme já foi comentado no livro do Talentoso Mister Ripley.

Tenho ainda imensos livros para ler desta coleção, (livros a 1€, repito) e espero conseguir ainda adquirir pelo menos o Físico de Noah Gordon.

Já agora deixo uma citação que gostei muito:

"Falcão que se atreve com garça guerreira, perigos espreita"

Recomendo sem duvida, tentem ver se ainda o apanham ;)




quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

As crónicas do Corvo Negro


Fiacha, encontrei este manuscrito na minha caixa de correio, penso que te é dirigido, pelo que te entrego:


As crónicas do Corvo Negro 

A amizade é um dos tesouros deixados por grandes mestres do conhecimento. Através deste precioso tesouro, descobrem-se e percorrem-se caminhos insondáveis pela aprendizagem imensa que cada sopro do conhecimento guarda para os bons adoradores da vida.

Um lugar guardado por este sopro, situado na gema de um grande continente de lugares incríveis de nome Fiacha, requer a presença dos seus adorados habitantes, os chamados membros do anfitrião daquele lugar. O anfitrião, o enérgico Corvo Negro, é um honroso mestre de leituras que construiu um castelo com imensas salas para todos os saberes, onde partilha experiências de leituras e publicita novos livros, que reúne o conhecimento dos membros e partilha as suas experiências e atributos. Para a sua incansável tarefa convidou dois bons amigos para o ajudar a reunir todos os membros no salão da sua casa e conceder-lhes constante entretenimento e novidades literárias. 

Os bons amigos aceitaram fazer parte daquela gratificante iniciativa e rapidamente tomaram as suas posições. Começaram por reestruturar o espaço e prepará-lo para receber os convidados com muitas outras coisas para partilhar. Por isso, o salão era tão vasto e as suas paredes estavam preparadas para o tamanho dos saberes que cada um traria. As chamas já ardiam velozmente na lareira ampla do grande salão. As mesas foram dispostas no meio do espaço deixando à vista as paredes altas impecavelmente decoradas por infindáveis estantes de livros antigos e preciosos, oferecidos ou adquiridos, durante as inúmeras viagens do Corvo Negro. Pergaminhos com histórias fantásticas, de ficção científica e tantos outros géneros, teimavam em saltar das estantes espaçadas entre os novos livros que chegavam diariamente, as letras são atrevidas aventuras que esperam urgentemente ser saboreadas pelos seus leitores. 

Em frente da lareira, as três silhuetas graciosas adornavam os inúmeros convites para o grande encontro. A harmoniosa raposa, escrevia o formal texto com elegância e subtileza. O Corvo Negro, divertido e orgulhoso anfitrião, dobrava os pergaminhos e erguendo-o com o seu fino bico encaminhava ao dragão audaz e afável, que soprava uma nuvem de calor para secar a cera marcada pelo símbolo da grande casa. Rapidamente os envelopes se agitaram sob os lugares à mesa e com urgência, logo que a tarefa terminou, o corvo negro voou para o exterior procurando os seus membros. 

A Raposa logo se lançou alegre à comprida mesa que a preencheu de utensílios para o convívio. Graciosamente o Dragão Negro voou até ao alto tecto repleto de imagens mitológicas e acendeu todas as velas que preenchia os candeeiros vivos do grande salão, o seu sopro quente e mágico, ressoou sons magníficos e formas fabulosas deram vida às chamas que rapidamente tornaram o espaço cintilante e acolhedor. Estava tudo preparado para o saudoso reencontro. A amiga Raposa, conhecida por A Caminhante, esboçou um sorriso satisfeito, ostentando o seu pêlo lustroso num amarelo acastanhado, uma linda gola no seu pelo alaranjado da época. O Dragão Negro, conhecido também como Marco, sobrevoou novamente o salão confirmando que tudo estaria a postos e aterrou junto da raposa perto da lareira, onde repousaram em grandes poltronas até chegar a hora, que seria breve no tempo do grande salão.

O Corvo Negro voou incansável por todo o continente Fiacha, procurando encontrar os seus membros leitores, e pelo caminho encontrou novos rostos, trocou impressões e partilhou experiências, e novos seguidores começaram a caminhada até à grande casa. A sua demanda foi anotada, e numa das inúmeras salas daquele castelo, cada encontro preenche um pergaminho que vai ser aberto.

 A Guardiã do Tempo

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O Voo das Águias de Ken Follet



Sinopse:

O Voo das Águias é um thriller soberbo, baseado numa história verídica que se passou no contexto da revolução iraniana liderada por Khomeini para derrubar o regime ditatorial do Xá Reza Pahlevi. Em dezembro de 1978, dois executivos da sucursal iraniana da EDS são detidos numa prisão de alta-segurança de Teerão. Quando Ross Perot, o fundador e presidente da empresa em Dallas, sabe do que se passa, decide salvar as vidas dos seus dois colaboradores a qualquer custo. Uma missão heróica, extremamente delicada e perigosa, e o desenlace, imprevisível. Uma história extraordinária onde a aventura, o suspense e o desespero são absolutamente reais.

Opinião:

Penso que para a grande maioria este escritor dispensa apresentações e tive a possibilidade de ler este livro, graças aos colegas do meu emprego que me ofereceram no meu aniversário e sem duvida foi uma excelente prenda.


Apenas tinha lido Os Pilares da Terra, mais Romance Histórico e que gostei imenso. Não li mais nenhum livro do escritor pura e simplesmente porque acho que os seus livros são muito caros, lembro-me que na altura ambos os livros dos Pilares da Terra (que dividiram na sua versão original) foram para cima de 20 € cada, mas tinha lido tão boas referências que acabei por comprar.

Quanto a este thriller, que na sinopse enquadra muito bem o que o livro tem para oferecer, o resgate de dois prisioneiros que foram presos sem qualquer motivo e onde é preparada um equipa de resgate para os tirar da prisão, peca, a meu ver, por no meio do livro ser-nos apresentadas fotografias de personagens chave antes e após a fuga, isto é acabamos por ser altamente spoliados com o que irá acontecer e qual o meu espanto quando um pouco mais à frente nos é apresentada a rota utilizada para a fuga do Irão (algo que podia ter sido feito de diferentes maneiras, visto fazer fronteira com vários países) e tudo isto quando ambos os personagens ainda estão presos.

Óbvio que com isto não tiro qualquer qualidade ao livro, mesmo por vezes sabendo o que irá acontecer, ou mesmo prevendo-o, a forma como nos é descrito e se chega lá pode ser muito bem conseguido como foi o caso.

Gostei do livro, da escrita do escritor, do constante suspense, das aventuras, e um livro que no fundo acaba por ser escrito a pedido do próprio Rose Perot (dono da EDS e personagem central do livro), logo deram-lhe um quadro e ele soube dar-lhe vida.

As personagens foram bem construídas mas não me marcaram assim tanto, sem duvida que  gostei muito mais dos Pilares da Terra.

Espero poder voltar a ler livros do escritor, que não engana, mas se encontrar algum livro a bom preço, ou emprestado :D

Já alguém leu livros do escritor ?


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O conto fantástico do século XIX e início do século XX.


Falar do conto fantástico, é uma tarefa bastante complicada, uma vez que a sua própria definição tem levado a muitas discussões entre os mais conceituados nomes. 

Mas como prometido, Corvo, aqui fica uma pequena contribuição para um género literário que aprecio bastante.

O que é a fantasia?

O que é o fantástico?

Questões em que todos nós temos, certamente, uma resposta sob o nosso ponto de vista, mas será que estamos certos? Ou será que encaramos fantasia sob um ponto de vista mais redutor, segundo os nossos gostos pessoais ou de acordo com parametros pré-concebidos da época em que vivemos?

Para mim, na minha humilde opinião, Fantasia sempre existiu desde que a humanidade existe e desde que se começaram a contar e a transmitir histórias. Oralmente, os primeiros povos contavam o que viam e o que a sua imaginação via no desconhecido. Pequenos arbustos que, com o vento, projectavam verdadeiros monstros que ameaçavam as tribos e que criavam lendas que passavam de geração em geração., e muitas outras histórias surgiram ao longo dos tempos.

Mas não é sobre a fantasia, propriamente dita, que quero partilhar algumas ideias convosco, mas sim sobre um período especifico da nossa história e que conferiu a este género literário, caracteristicas muito próprias : o conto fantástico do século XIX e ínicio do século XX.

Segundo Italo Calvino : “É no terreno especifico da especulação filosófica entre os séculos XVIII e XIX que o conto fantástico nasce : o seu tema é a relação entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos por meio da percepção e a realidade do mundo do pensamento que mora em nós e nos comanda. O problema da realidade daquilo que se vê – coisas extraordinárias que talvez sejam alucinações projectadas pela nossa mente; coisas habituais que talvez ocultem sob a aparência mais banal uma segunda natureza inquietante, misteriosa, aterradora – é a essência da literatura fantástica, cujos melhores efeitos encontram-se na oscilação de níveis de realidades inconciliáveis.”

Já no final do século XVIII surge o romance “gótico” onde a exploração dos temas, ambientes e efeitos negros, recheado de elementos macabros, cruéis e apavorantes, vão inspirar grande parte dos escritores da época.

É, bebendo nesta influência, que se começam a fazer distinções. A escola francesa distingue o “conto maravilhoso” que pressupõe a aceitação do inverossímil e do inexplicável, como por exemplo As Mil e uma Noites do conto “fantastique” que se refere à representação da realidade do mundo interior e subjectivo da mente, da imaginação, conferindo-lhe uma dignidade superior ao do mundo objectivo e dos sentidos.

Também a escola alemã abraça este conto fantástico e o nome de Hoffman destaca-se com contos como “O Homem de areia” e “As Minas de Falun”.

Pouco a pouco esta tendência foi influenciando a comunidade literária da época e vemos surgir obras excelentes como “Os contos de Petersburgo” de Gogol. Também na Rússia, Púshkin, Dostoiévski e Leskov seguem este percurso do fantástico.

Em França, Hoffman influência Charles Nodier, Balzac e Théophile Gautier entre outros, surgindo uma nova vertente com Gérard de Nerval o “conto-sonho”.

Em Inglaterra surge o “Frankenstein” de Mary Shelley que destrona o romance vitoriano. Os autores ingleses colocam algo de si mesmos nas obras que produzem, usam e abusam da ironia, do grotesco e do macabro aliado à forte capacidade imaginativa e assim nasce a “ghost story”. Temos Edgar Allan Poe, Charles Dickens e mesmo Bram Stoker da Irlanda.

Poderia falar de muitos outros autores, e das suas influências que se mantêm até aos dias de hoje, mas nesse caso este comentário ficaria muito extenso.

O que importa ainda referir, é o que liga todos estes escritores que provêm de escolas e países diferentes, e que constitui a caracteristica principal que torna o conto fantástico desta época único. 

O que tinham em comum?

Muito simples: o facto de que todos eles colocam em primeiro plano uma sugestão visual, e o conto surge a partir da realidade daquilo que se vê para passar para o que se acredita ou não: aparições fantasmagóricas ou visionárias, o sobrenatural e com as questões do pensamento abstracto e da psique humana. 

O elemento sobrenatural surge carregado de sentido em que mais do que assustar o leitor, deixa-o confuso sobre o que é verdade, mentira, sonho ou alucinação.

Normalmente são narrados na primeira pessoa, e geralmente são contados pela vítima do acontecimento, de forma bastante emocional, às vezes por cartas ou diários.

A quem nunca leu, e se gostar do tema, aconselho a leituras destes contos, dos diversos autores que falei e de outros que ficaram por falar.

Deixo-vos um pequeno texto e uma imagem, de um conto de Guy de Maupassant “O Horla”

"De onde vêm essas influências misteriosas que transformam em desânimo nossa felicidade e nossa confiança em angústia? Dir-se-ia que o ar, o ar invisível, está cheio de forças desconhecidas, cuja misteriosa proximidade nos afeta. Acordo cheio de alegria, com vontades de cantar em minha garganta. — Por quê? — Desço o curso da água e de repente, depois de um curto passeio, volto desolado, como se alguma infelicidade me aguardasse em casa. — Por quê? — Será um arrepio de frio que, roçando minha pele, abalou meus nervos e me sombreou a alma? Será a forma das nuvens, ou a cor do dia, ou a cor das coisas, tão variável, que, passando pelos meus olhos, perturbou meu pensamento?"



sábado, 1 de fevereiro de 2014

João Barreiros - O Especialista




Na sequência do meu comentário ao livro O Ladrão da Eternidade e pegando em alguns comentários lá feitos, penso ser justo homenagear uma pessoa que admiro, pelos seus conselhos que me abriram novos horizontes literários e, acima de tudo, pela sua incansável luta pelo género FC&F.

Socorro-me de alguns comentários feitos pelo amigo UBIK, que expressam bem aquilo que sinto pelo nosso caro Barreiros:

 "Aproveito Fiacha para te agradecer a forma elogiosa como te vais referindo nos teus "posts" e comentários ao meu "conhecimento de especialista" dentro destes géneros tão esquecidos por cá, e comparando-me ao Barreiros. Em abono da boa justiça e da verdade não me comparo ao Barreiros, ele é infinitamente mais sabedor e mais conhecedor, ele é "O Especialista", se é que tal existe. 

Eu aprendi a apreciar a FC e outros géneros também com o Barreiros, com as suas criticas notáveis, ferozes e incisivas no "Público", com as suas recomendações sempre "diferentes", e com as colecções de boa memória mas de vida curta que dirigiu, e fundamentalmente com a sua paixão, entusiasmo e defesa incondicionais do género. O Barreiros será sempre o Professor e eu nem um modesto discípulo, a mais das vezes autodidacta, e que como tal, pouco sabe. 

Por isso esta rectificação e a minha homenagem ao João Barreiros. 

Perdoem-me a verdade, mas se houvesse leitores em Portugal verdadeiramente apreciadores do género fantástico, e com a" maturidade" literária mínima admissível (no género, ressalvo) e ainda com gosto para tal (FC, fantasia, etc), e que permitisse a aparecimento de novas colecções e a publicação dos Grandes Autores ( do que se publica, o nivelamento tem sido por baixo, salvo uma ou outra honrosa excepção), não vejo ninguém mais competente e capaz que o João Barreiros para tal empreendimento. Um bem-haja ao Barreiros, que bem o merece, pelos anos e anos em que andou a pregar no deserto, e nunca desistiu." 

"Para quem não sabe: o João Barreiros é o melhor crítico de livros, em qualquer género, em Portugal, ponto. Não é enfadonho, não precisa de se "armar" em culto porque o é, é inspirador, é também impiedoso, mas é mordaz, pertinaz, irónico, e é acima de tudo, critico. (ver comentário anterior do Barreiros) Ah, e acumula com o de Único escritor de FC português! "

E aqui deixo recomendações que julgo que todos devemos ter em consideração (os que podem ler na versão original ) deixadas pelo próprio João Barreiros:

"Bom...aqui vão, para quem os queira ler, alguns mistérios sobre os livros "perdidos" que nunca chegaram a ser publicados.

Como sabem, dirigi duas colecções e "colaborei" com outras duas, bem mais efémeras. Isto quer dizer que as colecções terminaram ainda com livros na gaveta, alguns já traduzidos e com os direitos comprados. 
Aqui vai disto!

GRADIVA:
THE CHRONICLES OF THOMAS COVENANT THE UNBELIEVER -- Stephen Donaldson (direitos comprados e o 1 livro completamente traduzido)
EMERGENCE -- David R. Palmer ( direitos comprados e completamente traduzido)
IF YOU COULD SEE ME NOW -- Peter Straub ( direitos comprados e parcialmente traduzido)
AGAINST INFINITY -- Gregory Benford ( direitos comprados. Não chegou a ser traduzido, porque a tradutora começou a gritar que não percebia uma só linha)
THE MEMORY OF WHITENESS -- Kim Stanley Robinson ( direitos apalavrados. Resposta idêntica da tradutora que afirmou ser um livro muito dificil)
SOMETHING WICKED THIS WAY COMES --- Ray Bradbury ( direitos comprados mas, tanto quanto sei, nunca traduzido)

EDITORA CLÁSSICA
HYPERION -- Dan Simmons (direitos comprados, parcialmente traduzido)
SUNGLASSES AFTER DARK -- Nancy Collins (direitos comprados, parcialmente traduzido)
THE LAST COIN -- James Blaylock (direitos comprados, totalmente traduzido)
THE QUEEN OF ANGELS --- Greg Bear (direitos comprados, totalmente traduzido)
THE NIGHT MAYOR -- Kim Newman ( direitos comprados, nunca traduzido)
TAKE BACK PLENTY --- Colin Greenlan ( direitos comprados, totalmente traduzido

Editora Distri Cultural ( esta morreu antes de começar)
THE ENBBEDING -- Ian Watson (direitos comprados, totalmente traduzido por mim)

EDITORA DEVIR
(aqui acabou por ser publicada a Rainha dos Anjos, traduzida pelo LFS, que foi abandonada pela Clássica. Ao que parece com edições esgotadas.
DEEPDRIVE --- Alexander Jablokov ( direitos comprados e completamente traduzido por mim)

EDITORA LIVROS DE AREIA
A YEAR IN LINEAR CITY -- Paul di Filippo (novela. tradução completa, feita por mim, nunca paga. )Desconheço se foram comprados os direitos

Quem quiser saber mais destes livros, para sempre votados ao esquecimento, pode investigá-los na net.

Considero que são todos muito bons ou mesmo excelentes e que a perda foi terrível para todos os eventuais leitores.

UBIK, não sei se os conheces a todos, mas a RAINHA DOS ANJOS tem uma sequela, igualmente boa : SLANT! Vale a pena procurar.

E agora perguntam-me: porque não foram eles publicados ? Por várias razões, acho eu. Por desinteresse dos editores. Por falência dos mesmos. Por receio de serem demasiado "intensos" ou complexos. Porque os tradutores se queixaram entre mil choros. Porque os revisores de provas mutilaram irremediavelmente o texto. Porque os familiares juvenis dos Editores, a quem foram mostrados alguns dos livros, disseram "não terem entendido nada". E porque, claro, os leitores interessados estiveram-se todos nas tintas.

Perderam-se oportunidades. Agora, o abismo é entre qualidade/oportunidade tão grande que já não há saída.
Talvez as coisas melhorem daqui a muitos, muitos anos, mas duvido."

Aproveito para perguntar já leram algum livro do João Barreiros ? Falha minha mas ainda não li :(