sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Pequena História para um Pisco cá do sitio



Naquela altura do ano as manhãs estavam escuras, o sol ainda não rompera a cadeia de nuvens cinzentas que cobria o céu. Nesses dias gostava de me sentar junto a uma rocha, frente ao mar imenso e ouvir, simplesmente ouvir. 

Poucos conhecem o prazer enorme que é sentarmo-nos num local sossegado, fechar os olhos e ouvir. No inicio torna-se difícil, a nossa mente prega-nos partidas e acabamos por ouvir mais os nossos pensamentos do que tudo o resto, mas com paciência e determinação conseguimos captar um som aqui e outro ali e em breve conseguimos escutar com atenção tudo à nossa volta. 

Nos dias de sol tudo está mais sereno, mais calmo, as conversas são suaves. Mas nestes dias mais cinzentos, as conversas são mais agitadas, todos querem comentar os mais diversos assuntos. O mar agita-se, as ondas elevam-se e batem com força na areia, enrolando e levando consigo imensas partículas. Neste vai e vem, lançam comentários de uma forma jocosa em virtude da sua agitação. As aves que gritam nas falésias, o vento que traz notícias de longe em golfadas e que murmura por entre penhascos e rochas. 

Pois foi numa manhã dessas que ouvi a história que vos quero contar. 

Não sei quem começou, apenas sei que em determinada altura ouvia o vento a murmurar junto as rochas: “corvo, corvo” e logo de seguida começaram todos a falar ao mesmo tempo. Tentei colocar em ordem e questionei-os sobre o que estavam a falar e contaram-me: 

" Há algum tempo atrás, era frequente aparecer por aqui um certo corvo. Ele gostava de passear pelo areal, pousar nas rochas e ficar ao sol. Era negro como todos os corvos, mas ao mesmo tempo era diferente. Gostava de ser sociável, ele conversava com uns e com outros, sempre bem disposto. 

Quis o destino que certo dia, ao amanhecer um estranho, mas muito belo, canto soou, e descobrimos que uma pequena ave surgiu por aqui. O seu canto, um dos primeiros do dia, elevou-se, harmonioso, acordando aqueles que ainda tentavam dormir mais um pouco. A ave era pequena e engraçada. Tinha uma particularidade que a distinguia de todos nós, o seu peito apresentava uma mancha laranja que chegava até à face. Nunca tínhamos visto tal exemplar e ninguém sabia quem era, mas todos nos habituamos rapidamente ao seu canto madrugador. 

Certo dia, ao entardecer, já mesmo quando o sol se escondia no horizonte ouviu-se o cantar deste novo visitante. O corvo que passeava pelo areal, que ainda não conhecia este pequeno visitante, parou e ficou a ouvir tão belo canto. 

Ora acontece que esta bela ave desconhecia totalmente o local onde se encontrava, pois cantar desta forma ao final do dia não promete bons resultados. E assim aconteceu, em breves instantes, vimos ao longe alguém que também se sentira atraído por aquela voz, mas certamente não pelos mesmos motivos. A silhueta de uma rapina cruzava os céus à procura da sua presa, seguindo o som do canto que se elevava nos céus totalmente alheio ao que se aproximava. 

A todos nós, um arrepio percorreu as nossas penas, infelizmente prevíamos o que iria acontecer. Mas mais rápido que o nosso pensamento, o corvo levantou voo e dirigiu-se à pequena ave que alheia a tudo continuava a pesquisar a terra á procura de insectos, no intervalo da sua cantoria. 

Num movimento brusco, mas suficientemente rápido, o corvo arrastou a pequena ave e empurrou-a na direcção de uma cavidade na rocha, suficientemente grande para albergá-la, mas pequena para o corvo que ficou à entrada da mesma. 

Quando a rapina chegou junto da área em questão apenas encontrou o corvo que grasnava fortemente, e que desta forma conseguiu afastá-la daquilo que procurava. Em breve o perigo afastava-se nos céus. 

A pequena ave completamente destrambelhada pelo sucedido, agradeceu imenso ao corvo. Este fez com que ela prometesse ter mais cuidado. 

Ficaram a conversar durante muitas horas e foi nesse momento que se estabeleceu uma bela amizade entre o corvo e a pequena ave que ficamos a conhecer como o pisco-de-peito-ruivo, oriunda das portas do sol. 

O corvo conseguiu conduzi-la de volta à sua região e daí em diante era engraçado ver como estes dois seres tão distintos criaram um elo de ligação, atraindo muitos outros seres através de gostos comuns. 

A amizade entre eles, é muito forte. É frequente ver o corvo a passear pela praia, como sempre, a apanhar os seus banhos de sol e a falar com a sua amiga que se encontra longe, através de uma rede no espaço. 

Não uma rede daquelas que se usam para nos apanhar, nada disso. Mas não sei explicar, é difícil de compreender, o corvo apenas diz que é uma rede que junta amigos, e que eu posso fazer parte se quiser, mas não sei, não percebo nada disso, sou apenas uma gaivota. Mas gosto de ver amizades assim entre seres tão distintos. 

Sei também que muitas outras aves se juntaram a essa tal "rede". Quem sabe se um dia me convencerei..."


7 comentários:

  1. E não é que o nosso corvo virou gaivota!? E ainda por cima deu-lhe para criar bonitas alegorias. Sim senhor, que mais surpresas estão reservadas para serem reveladas neste blog?

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    1. lol, marco podia o narrador ser um dragão negro, mas temo que acabaria por comer quer o corvo quer o pisco :D

      São brincadeiras, quem sabe se um dia não venhas a ter uma :P

      É uma questão de ires aparecendo :D

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    2. No que a amigos diz respeito este Dragão é vegetariano ;)

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  2. uau...:D

    Gostei muito Fiacha, já conhecia o teu jeito e perícia para a escrita, mas consegues sempre surpreender-me...:P

    Essa rede deve ser muito especial, já que consegue manter os amigos perto, ainda que, estejam longe..:)

    Talvez nos possas contar mais sobre essa rede e de outras amizades que esse belo corvo tem feito enquanto passeia pelas praias? ;)

    Muito bem meu amigo e obrigado :D

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  3. Olá amiga Pisco,

    Antes demais fico contente por ter atingido o objetivo, gostaste, é o mais importante ;)

    É verdade, sem ela não nos conhecíamos, quem diria, uma rede a criar boas amizades, nunca pensei :D

    Enquanto passeio pelas praias não digo, mas há algumas coisas que ainda pretendo partilhar alem das minhas leituras de 2013, espero que gostem :D

    Nada a agradecer, sabes que foi com gosto :)

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  4. Está muito bonito Fiacha. Muito bonito mesmo.

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  5. Olá Ana,

    Sabes que a miga Pisco bem merece, ainda bem que gostaste :D

    Bjs

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